Boas notícias para a SST na Europa: 20 anos depois

por: Luís do Nascimento Lopes



Em 2012 passam 20 anos sobre o Ano Europeu da Segurança e Saúde no Trabalho.
20 anos que marcam uma evolução notável nesta área no nosso país.
Para mim marcam também o período da minha vida profissional, e por vezes mesmo pessoal, que dediquei a esta causa.
Confesso que não consigo evitar alguma nostalgia ao relembrar esses “tempos loucos” em que “tão poucos fizeram tanto”, numa azáfama incessante, discutindo até à obtenção de consensos, solidificando os acordos, criando instrumentos onde não os havia, improvisando aqui e ali, trabalhando por vezes pela madrugada fora, aproveitando ao máximo a dinâmica de consenso que tinha sido criada no ano anterior aquando da assinatura do primeiro acordo social subscrito por todos os parceiros sociais, empenhados em passar à prática a transposição da Diretiva-Quadro igualmente verificada no ano anterior, fazendo crescer quase do nada uma comemoração que, ainda por cima, coincidiu com a presidência portuguesa das Comunidades, tendo a abertura do Ano Europeu sido um dos principais eventos dessa Presidência, com a abertura marcada por uma grande exposição na antiga FIL.
Uma das diferenças mais óbvias entre o hoje e o então releva do número de pessoas, coletivas e individuais, diretamente envolvidas. Há 20 anos tudo se passava num núcleo restrito de profissionais e “carolas”, na sua maioria muito competentes e generosamente devotados, dos quais muitos, lamentavelmente, já não estão entre nós.
Hoje, felizmente, o panorama é bem distinto e contam-se já aos milhares os técnicos, formadores, investigadores e académicos deste ramo.
Mas as diferenças, e ainda bem, não se ficam pelo contingente humano envolvido.
Todos os atores do mundo do trabalho, sindicais e patronais, têm hoje um corpo de competências e conhecimentos nesta matéria que há 20 anos apenas afloravam; a legislação nacional de SST (em grande parte fruto da transposição de Diretivas comunitárias) é hoje um edifício sólido, coerente e muito completo; dispomos hoje de instrumentos de divulgação, de equipamentos de medição, de procedimentos de avaliação de riscos, de literatura especializada que em nada se comparam aos que tínhamos há 20 anos; os avanços legislativos e o aumento exponencial do número de profissionais da área fez surgir um mercado que deveria ser potenciador de grandes progressos; a administração do trabalho dotou-se de uma instituição especificamente vocacionada para a prevenção dos riscos profissionais, através da sensibilização, da informação, da regulação e da fiscalização, com a criação do IDICT em 1993; temos hoje uma Estratégia Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho; há cada vez mais adesão da chamada sociedade civil à discussão desta temática, como se pode verificar pelo número sempre crescente de instituições e coletivos que se associam às comemorações do Dia Nacional da Prevenção e às realizações das Campanhas Europeias da Agência de Bilbao.
Em resultado de tudo isto as estatísticas nacionais, com todas as limitações de que sofrem, não deixam de refletir uma melhoria clara e sustentada no panorama da sinistralidade laboral e das doenças profissionais.
E no entanto...Sinto, e por certo não serei o único, alguma insatisfação.
O muito que se fez não pode fazer esquecer o muito mais que poderia ter sido feito.
A conjuntura atual é substancialmente diferente. Em muitos dos campos, onde ainda não há muito lutávamos por progressos, lutamos hoje para travar retrocessos. A crise é hoje um argumento estafado e uma justificação para todos os incumprimentos e desinvestimentos.
E estes 20 anos revelaram-nos várias coisas. Por exemplo, que no toca às instituições, mais que a correção dos modelos, o que é verdadeiramente importante é a escolha das pessoas que se encarregarão de os implementar.
Ou que de pouco serve ter muitos instrumentos, por mais corretos que sejam, se não se adequarem às empresas que temos, à sua cultura e dimensão.
Ou que nem todos os que se arvoram em paladinos da prevenção têm desta uma visão clara e virada para o exterior, para o terreno. Alguns encaram-na preferencialmente como um mero processo de regulação, virado para a certificação e para a emissão e obtenção de autorizações, numa visão burocrática e notarial, muito distante dos reais destinatários das políticas de prevenção, os trabalhadores e as empresas.
Ou que se tem apostado talvez demasiado exclusivamente na legislação, deixando um pouco no esquecimento outros instrumentos igualmente (se não mais) potenciadores de progressos nestas matérias, como a negociação coletiva, os códigos de conduta e a responsabilidade social, por exemplo.
Ou que ainda está por cumprir a pia intenção de dar prioridade à prevenção.
Como serão os próximos 20 anos não se sabe. Mas do que podemos ter a certeza é que serão em grande medida resultado do que nos empenharmos em construir. Talvez seja impossível recriar o entusiasmo com que há 20 anos deitámos mão a esta tarefa. Na altura sentíamos que estávamos a iniciar o desbravar de caminhos nunca dantes percorridos. Hoje, com a experiência acumulada, temos de ir buscar o entusiasmo ao muito de bom que se fez e ao sangue fresco que toda uma nova geração de técnicos e profissionais em geral fazem correr nesta área que tem tanto de nobre como de esquecida, tanto de gratificante como de ingrata.
Uma última nota: ao longo destes 20 anos algo houve que não mudou... A revista “segurança” que acompanhou este período como um auxiliar precioso de quem o viveu, num processo de melhoria contínua, quer técnica, quer gráfica. Foi, é e, se todos quisermos, continuará a ser, um farol permanente para quem se movimenta nas águas nem sempre calmas da Segurança e Saúde no Trabalho. Para todos quantos nela trabalham e a transformam em realidade, com a sua Diretora à cabeça, o meu agradecimento sincero e os votos que daqui a 20 anos outro esteja a escrever o balanço de mais 20 anos nas páginas desta grande revista.


Fonte: Revista Segurança

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